Bernie ou Hillary? Uma eleição meme a meme

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21 abr
Por
Mario Matheus
Poeta decadente, cronista da banalidade, pizzaiolo, ativista em defesa de uma educação pública de qualidade, artesão, pai, marido, filho, jogador de basquete amador, e acima de tudo, torcedor do Vasco, Mario Luiz Bezerra Feitoza Matheus é professor da Faetec. Com graduação em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e especialização em linguística aplicada pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, cursa Estudos de Mídia na UFF e coordena o projeto do jornal escolar na ETE Imbariê.

No país que se auto-declara a maior democracia do mundo, os tradicionais veículos de mídia previam uma eleição sem grandes novidades: dois representantes das famílias que têm governado a nação nos últimos vinte anos, Jed Bush e Hillary Clinton, protagonizariam mais uma disputa eleitoral. Entretanto, a insatisfação com o velho jogo político-partidário tem crescido a olhos vistos nos Estados Unidos, o que abre espaço para novos atores na corrida para suceder Barack Obama. O desgaste causado pela crise econômica de 2008, associado à escalada da guerra contra o terror, que consumiu milhões de dólares em ações militares no Oriente Médio, e o ganho de consciência da classe média estadunidense em relação à desigualdade social no país ‐ o movimento Occupy é uma das faces visíveis desta tendência ‐ criaram um vácuo de representação que tenta ser preenchido pelos extremos nas figuras do socialista Bernie Sanders e do bilionário Donald Trump.

Visto como um outsiderSanders é um social-democrata que se recusa a receber financiamento de lobistas, e promete enfrentar os privilégios econômicos das grandes corporações na maior nação capitalista do planeta. Em outra direção, o bilionário Trump tem ganhado visibilidade por construir uma representação baseada na imagem de empresário de sucesso que financia a própria campanha e por encarnar as demandas da corrente mais conservadora da sociedade americana. Deixando Trump um pouco de lado, já que este merece um capítulo à parte, o engajamento renovado pelo surgimento de novos atores na cena política americana tem apresentado como efeito “colateral" uma série de debates envolvendo temas relacionados à cultura pop. Todos esses ingredientes alimentam o interesse por acompanhar às prévias estaduais para a escolha do representante de cada partido, e criam terreno fértil para reapropriações, principalmente do público jovem atraído pelas propostas mais progressistas de Sanders, através de memes na internet.

A profusão de memes sobre a disputa eleitoral norte-americana e seus protagonistas reorganiza as dinâmicas identitárias que envolvem a imagem dos candidatos, todos atentos às múltiplas vozes que ecoam na rede, e desequilibram narrativas hegemônicas sobre os principais temas tratados nas campanhas.

Raio-X dos candidatos

Conforme as eleições estadunidenses vão ganhando força com disputas acirradas e polêmicas nas prévias de cada estado, a onda de GIFs e memes sobre os candidatos inunda a internet. Um meme em particular está impactando a rede de forma mais incisiva nas últimas semanas, particularmente, devido ao resultado apertado no estado do Iowa. Inspirados no blog de humor Obvious Plant, em que são retratadas em posts fotográficos diferentes intervenções urbanas, algumas envolvendo políticos, um grupo de internautas resolveu fotografar pôsteres na cidade de Los Angeles com imagens que comparam o perfil dos candidatos do Partido Democrata Bernie Sanders e Hillary Clinton sobre diversos assuntos. Não demorou para que usuários de redes sociais passassem a criar suas próprias versões dos cartazes também.

O texto que se repete em todos os memes é bem simples e objetivo: “Bernie ou Hillary. Se informe. Compare-os em assuntos que realmente importam”. Logo abaixo, um assunto caro aos jovens é proposto, seguido da suposta resposta dos candidatos. Com uma variação de assuntos que vai de Harry Porter à banda Radiohead, os memes retratam sempre Sanders como uma pessoa antenada, de espírito jovem e aberto ao novo, enquanto Hillary é representada como uma pessoa superficial, desinformada e dissimulada. Vale lembrar que o comparativo é um recurso fartamente empregado por veículos jornalísticos em períodos eleitorais. Tido como uma ferramenta recursiva do jornalismo público, em que uma pauta é colocada em discussão, seguida de diferentes pontos de vista, o quadro é também um artifício comum em peças de campanha, algumas das quais criadas justamente para serem viralizadas. No Brasil, tivemos conteúdos semelhantes em circulação nas mídias sociais, como se vê abaixo.

Herrera (2015) destaca que a capacidade criativa se distribuiu entre os usuários comuns e surgiram novas formas artísticas que aproveitaram o avanço tecnológico e a evolução do ciberespaço. Não há mais a necessidade de se contratar um artista gráfico para criar uma imagem ou uma mensagem que possa ganhar visibilidade internacional, necessita-se apenas de acesso a internet e às inúmeras ferramentas gratuitas que baixamos da rede para modificar vídeos e agregar comentários a imagens.

No meme “Bernie ou Hillary?", o conceito geral retrata Sanders como o candidato conectado com as referências do universo jovem, enquanto Hillary é deslocada para o campo da dissimulação. A candidata busca parecer “conectada" e “antenada", para conseguir seus votos, mas, ao se apoiar em clichês, revela total desconhecimento deste universo de referências da cultura pop. A estrutura geral da imagem se repete, comportando uma série de variações, cada qual sobre um tema distinto. Cada variação é um rimeme. Herrera (op. cit.) distingue os rimemes dos imemes. Os últimos são a categoria empregada pelo autor para designar memes de internet, em oposição ao conceito original de Dawkins (1976). Os rimemes, por sua vez, provêm da ideia de uma “reprodução de meme de internet" ou “peça reprodutora", caracterizando blocos de informação replicados sem alterações em nível semiótico.

O humor de “Bernie ou Hillary?" se revela no esforço da candidata Hillary Clinton em demostrar que tem algum conhecimento sobre o tema abordado, mas não consegue sair da frase de impacto, clichê e vazia. Os rimemes apontam também para a incapacidade da candidata em gerar laços de identificação com o público jovem.

O meme abordado pode ser classificado como um exploitable por se tratar de uma imagem em que outros elementos (textuais, no caso) são sobrepostos. O cartaz funciona como uma estrutura padrão ou imagem de fundo, enquanto as caixas de texto são sobrepostas nas lacunas correspondentes a cada campo e abaixo dos fotos dos candidatos. Ao discutir os mecanismos de elaboração de um meme de internet, Shifman (2014) destaca a prevalência de dois aspectos que ganharam força com o advento da chamada Web 2.0: mimicry e remixing. Segundo a autora, mimicry envolve a prática de refazer o meme ‐ a recriação de um texto específico por outras pessoas ou por outros meios. Já o remixing, consiste na manipulação de conteúdo através de ferramentas tecnológicas popularizadas no mundo digital. No meme Bernie vs. Hillary, observamos um pouco destes dois aspectos na edição e montagem dos diferentes elementos do perfil dos candidatos.
 
 

Sexismo e outros temas

De acordo com o jornalista Brinton Parker do site americano Popsugar, o pôster que virou meme “Bernie or Hillary?" causou uma tempestade na internet. O próprio jornalista chegou a comentar, em uma de suas discussões, sobre a hipótese, levantada por alguns internautas, de o meme ser uma expressão de sexismo político. Ele, entretanto, rechaça esta visão, sugerindo que o centro do humor nas peças não está na figura feminina de Hillary, mas no seu desencontro com os temas que se relacionam à cultura pop e à juventude em geral. Logo em seguida, o Buzzfeed também entrou no debate, criticando o viés sexista do meme.

Um grande número de usuários se apropriou do meme e construiu suas versões sobre os mais diversos tópicos. Outras peças retóricas também circularam no contexto eleitoral norte-americano, notadamente enfatizando a disputa entre Sanders e Clinton, e também a figura caricata e extremista de Trump. Entre as peças de maior destaque, um “viral" chegou a causar certa preocupação na estratégia de campanha de Clinton, ao comparar os investidores de campanha em cada um dos candidatos.

Desde então tem-se observado um incremento de ambos os candidatos em buscar diálogo com o público jovem. Hillary Clinton, todavia, encontra mais dificuldade em construir esses elos de identificação com os eleitores mais jovens, e apresenta um apelo maior com os imigrantes e os negros.

No que concerne à linguagem empregada no campo “comentário", observamos uma clara diferença entre o registro associado ao candidato Bernie Sanders ‐ linguagem mais formal com construções sintáticas de maior complexidade e uso de termos considerados mais precisos ‐, e aquele associado à candidata Hillary Clinton ‐ linguagem mais informal com construções sintáticas de menor complexidade e uso de vocábulos mais corriqueiros e empregados em contextos mais informais. O resultado é a clara impressão de que Sanders sabe tratar com seriedade e profundidade qualquer tema.
 
 

Disputa meme a meme

A partir das primeiras postagens do comediante Jeff Wysaski em seu blog no tumblr Obvious Plant com imagens dos cartazes que aparentemente revelavam a opinião dos candidatos pelo Partido Democrata em Los Angeles, eles rapidamente foram apropriados por usuários da rede social e ganharam diversas versões. Ao se espalhar para o Twitter, o meme ganhou outras variações onde Bernie e Hillary apresentavam opiniões sobre mais e mais assuntos. Diante de todo este acirramento na disputa eleitoral, impulsionado pela radicalização e pelo desencanto da população com a política tal como ela se apresenta, os memes têm contribuído para esquentar o debate. Há quem arrisque dizer que estas eleições nos Estados Unidos serão decididas por um meme de diferença…

Referências

HERRERA, J. “Influyendo en el ciberespacio con humor: imemes y otros fenómenos”, Versión. Estudios de Comunicación y Política, núm. 35, marzoabril, pp. 130-146, 2015 en .

SHIFMAN, L. Memes in digital culture. Cambridge, MA: The MIT Press, 2013.

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