Eleições e memes são uma combinação explosiva. A circulação de conteúdos gerados por usuários durante debates eleitorais é um exemplo claro do comportamento de usuários das mídias sociais na tentativa de comentar os acontecimentos políticos. Este tipo de interação pode muito bem ser compreendida como uma nova forma de conversação política online.
Tay (2014) nomeia estes memes sobre a política como “LOLitics”(termo que combina a gíria “laughing out loud”, rindo alto, geralmente empregada para denominar algo engraçado, e “politics”, política) ‐ e se refere a eles como reações a um evento ou gafe cometido por uma figura política, colocando em questão os próprios atores políticos, que viram alvo de deboche, crítica ou apoio. Para Rossini (2017, p. 11), “é através das discussões políticas cotidianas que os cidadãos têm a oportunidade de conhecer questões de interesse público, formar e refinar suas opiniões políticas”. Além de contribuírem para fomentar a discussão política online, os memes também podem exercer um papel de instrumento de persuasão (MILNER, 2013; SHIFMAN, 2014), de modo a convencer o usuário a apoiar ou também criticar um candidato ou sua proposta.
Em um cenário político polarizado, como observamos nas últimas eleições, os ataques entre candidatos se acentuam, assim como as ofensas partindo do eleitorado. De acordo com Geer (2006), qualquer crítica feita por um candidato contra outro pode ser designada como campanha negativa. Estudiosos da área possuem divergências em relação aos resultados da campanha negativa, afirmando que ela pode desmobilizar e afastar o cidadão do processo eleitoral (MERRITT, 1984; GARRAMONE, 1984; ANSOLABEHERE et al., 1994), ou que a campanha negativa pode também fornecer informações extras à sociedade, o que seria benéfico à democracia (BORBA, 2012; DESPOSATO, 2009; FINKEL & GEER, 1998; GEER, 2006; MAYER, 1996).
Pesquisas, por exemplo, alertam sobre o efeito bumerangue desta prática (GARRAMORE, 1984; MERRITT, 1984), isto é, em vez de afetar negativamente o alvo, quem acaba sendo mais atingido é o candidato que fez o ataque. Segundo Garramone (1984), o resultado “rebote” pode acontecer quando o candidato é identificado como o autor do ataque. Já quando o emissor do ataque não é reconhecido, as chances da campanha negativa favorecer quem está afrontando são maiores.
Em razão disso, uma tática comum durante o período eleitoral é a circulação de material de conteúdo ofensivo sem assinatura e de origem desconhecida, que chamamos de campanha negativa apócrifa. Tal tática tira o foco dos candidatos como emissores do ataque. Segundo o dicionário Michaelis, a palavra “apócrifo” possui quatro significados:
(1) obra ou fato não autêntico, falsamente atribuído a determinado autor;
(2) um texto religioso que carece de autoridade canônica;
(3) aquilo que é verdade a olhos profanos; mantido na clandestinidade; e
(4) obra de autor desconhecido.
Neste caso, compreendemos o termo apócrifo como uma obra de autor desconhecido ou que também apresenta elementos que propositadamente dificultem a sua identificação.
Um exemplo da campanha negativa apócrifa é espalhar cartazes e panfletos com mensagens de ataques a um candidato, sem identificação da autoria, em ruas, praças ou vias públicas. Cabe ressaltar que o Art. 53 da Lei Eleitoral (Lei 9504/1997) proíbe a veiculação de propaganda que possa degradar ou ridicularizar candidatos, podendo infligir a retirada do conteúdo do ar e conceder tempo de propaganda para direito de resposta ao atacado, caso o autor das ofensas for identificado e responsabilizado. Tais sanções fazem com que os estrategistas de campanha repensem a possibilidade de atacar o adversário, ou deleguem o ataque para terceiros.
Levando essa lógica à rede mundial de computadores, mais especificamente às redes sociais online, pode-se traçar um paralelo destes ataques sem autoria com um dos papeis que os memes de internet têm cumprido no contexto eleitoral. Sendo conteúdos cuja origem é anônima ou que apresentam características que dificultem a sua identificação, os memes possuem a vantagem de ocultar o autor do ataque e, desse modo, a prática de atacar um oponente evitaria um possível efeito bumerangue como consequência.
Borba et al. (2018) constataram que a percepção em relação à autoria dos ataques é percebida de forma diferente pelos eleitores. Os resultados de sua pesquisa baseada em entrevista em grupo focal, foi constatado que parte dos entrevistados acreditam que o ataque transmite mais credibilidade quando é feito pelo próprio candidato, enquanto outros preferem que as críticas sejam feitas por terceiros pois o candidato não deve se expor para não gerar antipatia por parte do eleitorado.
É nesse sentido que os memes de internet podem ser incorporados como instrumentos de campanha negativa na política. Os memes políticos com mensagens de crítica a um determinado candidato podem convencer de modo diferente ao ataque proferido pelo candidato, já que o emissor dos ataques é o cidadão comum utilizando de plataformas online para tecer seus comentários. Deste modo, a rejeição direcionada aos políticos como protagonistas do “jogo sujo” diminui e, assim, evita-se o efeito rebote no qual o ataque se vira contra o ofensor.
Assim, memes podem atuar como um mecanismo de campanha negativa apócrifa durante períodos eleitorais, principalmente ao usar em sua vantagem o elemento do anonimato dos memes, ocultando ou dificultando a sua autoria. Estes conteúdos, que a princípio podem ter sido criados apenas com o intuito de comentar determinado fato político, acabam sendo apropriados como um relevante instrumento de retórica e de campanha negativa. Evidentemente, há diferenças claras entre os ataques proferidos por diferentes candidatos no que tange, por exemplo, à coordenação das ações. Em alguns casos, ataques coordenados são conduzidos por milícias digitais e direcionados, pautados tematicamente. Trocando em miúdos, não é possível equivaler um insulto avulso a Bolsonaro, em um meme chamando-o de fascista, com uma campanha em que Haddad é retratado sistematicamente como responsável pelo Kit Gay e pela deterioração da família tradicional brasileira.
Outro ponto a ser levado em conta é o teor do ataque. Geer (2006) aponta que a ofensa pode abordar um tema pessoal ou político. O primeiro, por exemplo, engloba ofensas à conduta do candidato e assuntos familiares do oponente, e costumam ser mais rejeitados pelo eleitor. O segundo tipo de ataque, por sua vez, refere-se a críticas ao programa de governo e ponto de vista político e costumam ser mais bem aceitos, pois os cidadãos julgam ser justos quando os candidatos são atacados ao serem questionados sobre gastos em áreas como Educação e Segurança Pública, como também sobre sua atuação política em cargos anteriores.
De um modo ou de outro, justamente por ocultar o autor do ataque, os memes políticos, utilizados como campanha negativa apócrifa, conseguem abordar temas pessoais, que seriam menos aceitos pelo eleitorado se o ataque fosse realizado de forma oficial ‐ tornando o jogo político ainda mais acirrado e polarizado. E você aí achando que meme era sempre uma imagem fofinha?