O meme
Los Pañuelazos, foi como elas os chamaram. Ninguém por aqui quis comentar a ironia. Não panelas, panos. Aos montes. Em torno do pescoço ou no pulso, amarrados as mochilas, pendendo das cinturas, vestidos onde couber no corpo, ocupando sem fazer barulho cada canto da cidade.
Panos verdes, a síntese central da insurgência argentina pela descriminalização do aborto.
Nos protestos, que já aconteciam desde fevereiro, as organizadoras os distribuiram entre as mulheres que passaram a exibi-los no ônibus para trabalho, ao dar entrevistas na tevê, em suas fotos de perfil e nas passeatas quando juntas os levantavam ao ar deixando ver dos helicopteros a assim chamada Onda Verde.
Além de serem fáceis de se propagar pela imitação e terem a força de conformar identidades coletivas, uma das principais características dos memes é a sua capacidade de sintetizar significados complexos em elementos simples.
No fluir do cotidiano, entre um ato e outro ato, as mulheres levam consigo aqueles pedaços de pano como uma senha pela qual reconhecem suas companheiras de luta. São também uma forma de se mostrar que o movimento segue vivo e, além das horas marcadas dos protestos, a luta acontece num contínuo.
Origem
Não á toa se conformam assim, já que a estratégia começa durante a ditadura Argentina. Os lenços verdes que hoje protestam pela liberdade em decidir ou não ser mãe, são descendentes dos lenços brancos de fralda, adornando as cabeças de las madres de mayo. Com as execuções e prisões políticas da repressão, as mães dos que sumiram iam continuamente aos orgãos oficiais na busca por respostas. Um dia, cansadas de esperar, decidiram se reunir e protestar na Plaza de Mayo de frente para a Casa Rosada – sede do poder executivo . Logo as autoridades informaram que estavam proibidos os grupos de três ou mais pessoas assim como permanecer imóvel em praça pública.
Pois bem. Sem poderem permanecer paradas, Las Madres de Mayo passaram a andar em círculos pela praça e, proibidas de estar em conjunto, amarram um lenço brancos a suas cabeças – feito de tecido de fralda – que as identifcava como grupo. E incansáveis contiuaram até hoje, ainda sem haverem sido revelados os arquivos sobre o paradeiro de seus filhos, se reunindo toda a quinta-feira ás 15h30m na Plaza de Mayo. São elas a inspiração para os lenços de hoje.
A cor verde, por sua vez, foi escolhida pela “neutralidade" política. As organizadoras não queriam usar tons já vinculado a partidos (azul e vermelho), ou a igreja católica (laranja), ou ao movimento feminista (roxo).
Gênero e Formato
Os lenços transcendem sua materialidade. Se tornam símbolo, ganham customizações nos protestos, são desenhados em quadrinhos, vão para as mídias digitais, passam a integrar imagens de perfis, fotografias de capa. Centralmente, são um meme de ação popular na medida em que expressam um comportamento coletivo.
Discussão
Enquanto as articulações junto aos membros do governo foram essenciais para que a descriminalização do aborto fosse aprovada na Câmara dos Deputados (esta foi a décima segunda vez que o projeto foi apresentado), as passeatas e os panos são elementos importantes na mobilização da opinião pública. Se estar nas passeatas envolve um custo maior aos manifestantes, que envolve a disponibilidade de horário, o medo de represálias, etc, os panos permitem uma participação menos dispendiosa mas eficaz na propagação da mensagem. Através de um repertório um pouco diferente, a lógica é a mesma das mobilizações através de hashtags nos sites de redes sociais.
Como podemos observar, a consolidação do meme também favorece a transnacionalização dos manifestos Não apenas as pautas se transmitem de país a país, mas a identidade de luta em si. No Brasil feministas já procuram formas de conseguir os panos argentinos, para darem início a sua própria onda verde. Ao mesmo tempo tornam mais fácil o posicionamento contrário já que junto a onda verde se iniciou o contra-meme da onda azul, no qual pessoas contra o aborto saiam as ruas também com lenços.