Brincar de Rinhas: os memes e as rinhas universitárias

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30 maio
Por
Beatrice Melo
Bolsista de iniciação científica (PIBIC/CNPq), graduanda em Estudos de Mídia, UFF.

Rinha de Universidades Públicas é um grupo fechado do Facebook criado em Junho de 2019, que atualmente conta com mais de 99 mil membros, e no qual 64 Universidades disputam diariamente entre si a primazia de um campeonato universitário da zuera. A disputa é feita por meio de posts publicados pelos administradores do grupo, e as universidades que irão competir são escolhidas por meio de uma chave de torneio, criada antes de todas as disputas começarem, em modelo de “mata-mata". Os universitários votam por meio dos botões de reação do Facebook, e quem tiver mais votos, ganha. Enquanto a disputa está acontecendo, os participantes do grupo postam diversos memes apoiando ou desmerecendo as faculdades que estão participando da rinha em questão.

Nesse clima de disputa e defesa da sua universidade pública favorita, diversos memes são criados no grupo e funcionam como artilharia pesada para as batalhas. Muitas vezes, eles não apenas falam sobre as instituições de ensino em questão, mas sobre o estado em que as universidades se situam ou aspectos culturais e regionais em geral.

Os memes coletados da Rinha de Universidades Públicas que se referem a regiões contribuem para fomentar um certo sentimento de identidade, a partir da familiaridade, tais como regionalismos de fala, culinária local, questões internas, costumes. Por exemplo, na disputa entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Universidade Federal do Piauí (UFPI) havia alguns memes que se referiam aos gaúchos como “tchernobyl”, um trocadilho com as palavras tchê, um regionalismo, e Chernobyl, um lugar tóxico. Outro exemplo ocorreu na disputa entre a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em que havia memes comentando que o estado do Rio é muito violento contrapostos a comentários elogiosos sobre o doce de leite de Viçosa. Também na disputa entre a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) havia memes alegando que Juiz de Fora não fazia parte de Minas Gerais, por estar mais perto do Rio de Janeiro. A Universidade Federal de Alfenas (Unifal) também fez alguns comentários sobre a Universidade Federal de Goiás (UFG) diminuindo o sertanejo e a cultura caipira.

Memes que podem ser lidos de maneira pejorativa por um grupo podem ser vistos como algo positivo por outro. As mesmas piadas que podem parecer desfavoráveis a uma comunidade podem ser lidas como uma vantagem eventual para “adversários".

Esse tipo de humor direcionado a outra comunidade tem a capacidade de solidificar estereótipos negativos, quando se trata de grupos externos, e ainda assim criar um sentimento de união e solidariedade quando se trata do próprio grupo. Como podemos ver, por exemplo, nas alianças que foram criadas dentro da rinha. Uainião, Távola do Cacetinho, União do Pinhão e a Horda das Capivaras utilizam-se de estereótipos para criar um grupo com um objetivo em comum, e exploram esses estereótipos para se firmar. Enquanto isso, essas mesmas características são utilizadas por outros para tentar diminuí-los, pois devido ao espaço de expressão limitado dos memes e das imagens, muitas das vezes recorre-se ao estereótipo como uma maneira de melhor disseminar uma piada. Parao bem ou para o mal, estereótipos são capazes de simplificar uma mensagem. A Uainião, por exemplo, utiliza-se de estereótipos relacionados à culinária: pão de queijo, pastel de milho, e regionalismos ‐ como o próprio nome do grupo indica: uai. Todos os outros grupos utilizam-se também de algum grau de estereótipo. Távola do cacetinho, no Rio Grande do Sul; União do Pinhão, no Paraná; Horda das Capivaras, no Mato Grosso; e, finalmente, a Ursene (União das Repúblicas Socialistas do Nordeste), no Nordeste.

De acordo com Limor Shifman, o humor étnico pode ser definido como humor direcionado para grupos raciais e nacionais, geralmente colocado no sentido de degradar atributos de tais grupos, como piadas que são baseadas em estereótipos étnicos e raciais. No grupo da rinha há diversos exemplos desse tipo, tais como memes direcionados a mineiros chamando-os de caipiras, ou comentando que a única coisa que sabem fazer bem é pão de queijo.

Podem-se dividir as piadas em três tipos de humor: de superioridade, no qual a risada provém de um sentimento de superioridade, nutrido por um determinado grupo de pessoas em relação a outro; incongruência, na qual o humor deriva de um encontro inesperado entre dois campos; e alívio, na qual o humor provém do alivio de tensões mentais ou físicas. De acordo com Shifman, o humor de superioridade geralmente trata de aspectos familiares, já que a superioridade é uma parte importante na negociação de uma identidade.

No grupo de rinhas, diversas postagens demonstram certo grau de familiaridade com a região para qual a piada é direcionada, como, por exemplo, os memes em relação à região Sul, que, em geral, comentavam sobre o movimento separatista e questões relacionadas a estereótipos raciais. Há também memes direcionados ao Estado de Goiás que se referem à cultura caipira e ao sertanejo de forma pejorativa.

Segundo Bergson, o efeito cômico do humor incongruente de algumas piadas pode ser encontrado devido a uma tensão entre o humano e o mecânico. Quando uma pessoa age de maneira robótica, ela evoca a risada voltada para corrigir esse comportamento. No grupo de Rinha de Universidades Públicas, há muitos memes que podem ser entendidos como corretivos por estarem questionando a habilidade do outro grupo de produzir memes e criticar a falta de produção de piadas em disputas deste tipo. Alguns membros agem de maneira robótica ao apenas participar das disputas por meio do voto em si. Outros grupos, então, introduzem uma quebra de expectativa ao fazer piada sobre esse comportamento e assim obrigar outros a também fazerem piadas e a participarem mais ativamente do grupo. Em todas as disputas houve certo grau de incidência desse tipo de comportamento. Na rinha entre a UFRGS e a UFPI, por exemplo, houve diversos memes em que se alegava que a UFPI não fazia nenhum tipo de piada e só estava recebendo mais votos por causa do antissulismo.

Apesar de o humor relacionado a regionalismo por vezes não ser imbuído intencionalmente de preconceito, em muitas ocasiões a reprodução desses estereótipos está ligada à hostilidade, pois evidencia aspectos humilhantes para outros sujeitos e que promovem discriminação. O grupo do Facebook da Rinha, apesar de promover a rivalidade saudável, foi desativado duas vezes por motivos de desavenças e discursos preconceituosos nas publicações e em seus comentários. Ainda assim, o humor relacionado às disputas territoriais entre os universitários pode ser utilizado como uma maneira de reduzir a tensão e de construir uma sociedade pluralista. No grupo de rinhas não há apenas ofensas e rivalidade, mas também há muitas publicações divulgando notícias e pesquisas cientificas produzidas pela universidade pública brasileira. Afinal, disputas identitárias à parte, os membros do grupo certamente reconhecem o papel que a universidade desempenha junto à sociedade.

Referências

SHIFMAN, L. & BOXMAN-SHABTAI, L. When ethnic humor goes digital.

SHIFMAN, L. & KATZ, E. “Just Call Me Adonai”: A Case Study of Ethnic Humor and Immigrant Assimilation.

SHIFMAN, L., LEVY, H. & THELWALL, M. Internet Jokes: The Secret Agentsof Globalization?

SOSA-ABELLA, M. & REYES, R. Political humor in comic strips: A comparative analysis between Oriental and Occidental approaches

BÖRZSEI, L. Political culture on the National Web: the role of political culture in online political activity and the case of hungarian politics on Facebook.

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