Mais uma temporada do Big Brother Brasil no ar e, com ela, uma enxurrada de memes pipocando nas plataformas digitais. Mas não somente nelas. O reality show de maior sucesso da TV aberta brasileira abriu os olhos para essa forma de participação da sua audiência e vem apostando em um conteúdo que se ancora na linguagem dos memes para driblar os desafios impostos pela nova fase dos meios de comunicação em massa.
Esse artigo tem como objetivo expor as conexões entre o conteúdo produzido por usuários e aquele proposto por um programa que está há mais de 20 anos na grade de programação de uma emissora tradicional massiva, que precisa, inevitavelmente, propor novos formatos. As reflexões apresentadas neste texto agrupam dados e resultados obtidos durante pesquisas realizadas entre 2016 e 2022 (STEFANO, 2016; STEFANO, 2019; STEFANO; VIEIRA, 2021) que se dedicaram em mapear as transformações pelas quais o Big Brother Brasil passou no que se refere à conectividade entre a TV e a internet.
Big Brother Brasil: duas décadas de existência (e contando…)
Em tempos efêmeros, como manter um programa por mais de 20 anos no ar? Muito provavelmente, Boninho (diretor executivo do BBB) e sua equipe já se fizeram essa pergunta algumas vezes.
Quando o BBB estreou na Rede Globo em janeiro de 2002, as plataformas digitais estavam no campo da experimentação. O programa, portanto, nasce em um modelo de TV broadcast, mas, rapidamente, com o cenário da convergência dos meios e de uma cultura mais participativa, se tornou mais interativo e multiplataforma. Isso não quer dizer que o processo tenha sido fácil. A Globo não só demorou para apresentar propostas condizentes ao novo cenário televisivo se comparado a outras emissoras, mas também mostrou dificuldade em aderir ações participativas. Na maior parte das vezes, a iniciativa surgia dos próprios usuários e fãs do programa. Quando havia tentativas de inserir o público na narrativa do produto, quase sempre ela ocorria de maneira controlada e filtrada para que a emissora não perdesse o domínio sobre seu conteúdo.
No BBB16, por exemplo, a atração decidiu, no meio da temporada, alterar pela primeira vez na história a forma como os votos eram computados com a justificativa de “regionalizar” a disputa. Para os fãs, porém, a mudança era uma tentativa de inibir a grande influência que a comunidade de fãs da participante Ana Paula Renault estava tendo no jogo e desestruturar suas ações.
Com a lição aprendida, o programa desistiu de tentar “competir” com os fandoms e passou a jogar junto com eles. Em 2017, criou-se a #RedeBBB, uma estratégia multiplataforma que tinha como principal objetivo produzir e disseminar informação e conteúdo extra do reality show durante todo o dia na web com intensa participação dos usuários. A 17ª edição também marcou o início, de forma ainda experimental porém significativa, da inserção de elementos estéticos e linguísticos, além de referências da web no programa na TV. Foi o início de um posicionamento que tem se mostrado eficaz.
Um panorama das primeiras tentativas de inserção de memes no BBB
Desde a segunda temporada, com episódios mais longos, a Globo passou a apresentar a rotina dos participantes em quadros especiais com forte influência da teledramaturgia nacional, uma particularidade da versão brasileira (CAMPANELLA, 2012). Porém, nas últimas décadas, houve um esforço maior em construir outros formatos e narrativas audiovisuais ancoradas em linguagens contemporâneas.
No BBB 17, o programa estreou o quadro semanal #BBBSemModeração, apresentado pelo humorista Rafael Cortez. O objetivo era fazer um resumo dos principais assuntos que movimentaram as plataformas digitais com vídeos e comentários dos usuários e, por vezes, alguns memes. Para falar sobre o comportamento de um participante, por exemplo, o programa optou por utilizar um meme que circulou em 2016 sobre a denúncia contra o ex-presidente Lula.
De lá pra cá, as inserções de memes ou de elementos que remetem a esses artefatos ficaram mais frequentes e explícitas. Muito por conta de um intenso movimento nas plataformas digitais, o programa aderiu aos principais memes e formatos para construir um conteúdo que gerasse identificação do fandom. O quadro “Big Treta Brasil”, exibido nas edições de 2018 e 2019, talvez tenha sido o caso mais emblemático até então.
Simulando um grupo de conversa no WhatsApp, o “Big Treta Brasil” trazia dos famigerados “bom dia” à utilização de emojis, gírias, GIFs, expressões de linguagens comuns às comunidades virtuais, passando, é claro, pelos memes. Nessa fase, o programa não só exibia os assuntos e brincadeiras que viralizavam nas plataformas digitais durante a semana, como também se arriscavam em versões de memes já existentes e até propunham seus próprios memes a partir de formatos mundialmente difundidos, como o caso do image macro.
Além do uso dos formatos, os conteúdos criados tinham um discurso irônico e por vezes um esforço em trazer referências intertextuais para a narrativa. Sempre, é claro, priorizando conexões internas e com um cuidado extra ao que poderia ser ou não abordado pelo conglomerado. Todas essas características estão atreladas à construção dos artefatos meméticos (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007).
Dando continuidade a esse posicionamento, em 2020, foi criado o “C.A.T BBB” que, de maneira inédita, teve continuidade nas três edições seguintes, se firmando como uma produção bem-sucedida. Sua principal função é trazer a opinião do público para a TV de maneira descontraída e sarcástica, destacando inclusive reclamações. A princípio, isso significaria que, caso o apresentador estivesse sendo criticado ou que Boninho fosse acusado de manipular e interferir no jogo, esses assuntos poderiam ser ironizados pelo humorista em forma de piadas e paródias. O mesmo acontecia com os participantes. Em um discurso tendencioso e parcial, o programa passou a construir conteúdos que reverberam o que está sendo demandado pelos fãs: enaltecem os participantes idolatrados e ridicularizam os “cancelados”.
Esse posicionamento tira o peso da desaprovação e desarma a audiência. No entanto, vale ressaltar que mesmo nesses momentos, há um forte controle por parte da Globo, que seleciona de maneira precisa o tipo de crítica que pode ser veiculada (normalmente aquelas mais desgastadas). O mesmo acontece com as referências intertextuais.
O Brasil tá vendo! Do bordão à criação de conteúdo
Dez em cada dez participantes que passaram pelo Big Brother Brasil já falaram a frase “O Brasil tá vendo” em algum momento do jogo. O catchphrase inspirou a criação do quadro homônimo em 2021. Como um substituto do “Big Treta Brasil”, o conteúdo trouxe para a TV aberta uma linguagem mais audiovisual dos memes, semelhante aos vídeos virais de plataformas como TikTok e Instagram. Com vídeos do estilo reacting, muito popular no Youtube, influenciadores digitais e artistas da emissora comentavam sobre os últimos acontecimentos do programa. Enquanto o “C.A.T BBB” expunha certa aproximação com a linguagem dos memes majoritariamente na forma verbal, o “O Brasil tá vendo" foi criado para exibir esteticamente as semelhanças. As duas propostas deram o tom exato de um posicionamento debochado e zoeiro, típico dos usuários brasileiros (LUNARDI; BURGESS, 2020).
Se em outros anos era clara a dissonância que existia entre o tom dado pela edição oficial e o que se falava nas redes sobre os mesmos temas, nos últimos anos o reality criou propostas que aproximam os dois ambientes. Os memes deixaram de ser um tabu, embora seus usos ainda sejam cerceados. Os temas e referências intertextuais ainda seguem o limite editorial instaurado pela emissora. Por outro lado, as características estéticas e discursivas fortemente presentes nos memes, como o humor, o deboche e recursos lúdicos, estão ganhando cada vez mais espaço. Nada fora do comum para um programa de entretenimento.
Entre dancinhas e estética amadora: o que esperar do BBB 23?
Como um caminho natural, a influência do TikTok se instala na edição mais recente do Big Brother Brasil. Vídeos curtos e na vertical, legendas, dublagens e influenciadores da plataforma comentando sobre o jogo moldaram o terreno para que, em 2023, a abertura do programa ganhasse uma nova versão: um funk no estilo “dancinha do TikTok”. O programa anunciou que haverá uma competição dentro do aplicativo para que os usuários criem suas dancinhas e apareçam na abertura do reality. Uma clara tentativa de viralizar.
Outro destaque da temporada é o quadro da artista Rafaella Tuma. Com ilustrações simples e mantendo o áudio original dos participantes, Rafaella faz um resumo dos principais acontecimentos da semana e as cenas mais cômicas. Percebe-se um outro nível de apropriação do programa, que sai da estética mais visualmente explícita das plataformas digitais, como emojis, hashtags, filtros, interfaces e elementos típicos, para algo similar a uma estética amadora dos memes, ou o que Douglas (2014) prefere chamar de internet ugly. Agora, essa mesma estética, usada como uma contracultura por usuários na internet, ganha espaço na emissora mais tradicional da TV aberta brasileira.
O Big Brother Brasil serve como exemplo de produto que aponta para a superação da falsa dicotomia entre televisão e internet. Segue na faixa nobre de programação da Rede Globo incorporando a linguagem típica das plataformas digitais sem deixar de manter o acabamento profissional demandado do “Padrão Globo de Qualidade”.
Como um dos programas mais longevos da programação da Globo, parece que os tempos de crises já passaram e Boninho e sua equipe encontram o tom exato para manter o programa no ar por mais alguns bons anos. Entre inúmeras mudanças no formato, na apresentação, no elenco, entre famosos e anônimos, patrocínios milionários, a chave é seguir em movimento, mesclando o paradigma da televisão tradicional com uma maior abertura às experiências de consumo midiático contemporâneas.
Referências bibliográficas
CAMPANELLA, B. Os olhos do Grande Irmão: Uma etnografia dos fãs do Big Brother Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2012.
DOUGLAS, N. It’s Supposed to Look Like Shit: The Internet Ugly Aesthetic. Journal Of Visual Culture, v. 13, n. 3, 2014.
KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. Online memes, affinities, and cultural production. In: LANG, P. A New Literacies Sampler. 2007. 199p- 227p.
LUNARDI, G.; BURGESS, J. “É zoeira”: as dinâmicas culturais do humor brasileiro na internet. In: CHAGAS, V. (org.) A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital, p. 427-458-12620. Salvador, BA: Editora da UFBA, 2020.
STEFANO, L. CONECTIVIDADE TV E WEB: a construção do fluxo e da dinâmica comunicacional do BBB18 a partir do engajamento dos fãs. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2019.
STEFANO, L. Convergência Midiática e Segunda Tela: uma análise das plataformas online do Big Brother Brasil. Monografia – Faculdade de Comunicação Social, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2016.
STEFANO, L.; VIEIRA, S. Práticas de consumo dos fãs de Big Brother Brasil e a cultura de memes. Animus: Revista Interamericana de Comunicação Midiática, v. 20 n. 44, 2021.