O #MUSEUdeMEMES atua para mostrar que estes artefatos midiáticos estão inseridos e reproduzem contextos sociais, políticos, históricos, comunicacionais e econômicos. Por isso, neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra Brasileira, propomos uma reflexão conjunta neste artigo, para dialogarmos sobre como os memes estão relacionados às questões raciais no Brasil. Não pretendemos com esse texto sintetizar todas as complexidades da questão e encerrar o debate, mas sim construir uma ponte e colocarmos na mesa a questão: Como os memes representam a população negra? Observamos, de início, o fato de que o humor, presente em muitos memes, está ancorado dentro da construção de estereótipos racistas, pelo menos desde Jim Crow nos anos 50, nos Estados Unidos. O pesquisador Adilson Moreira, categoriza essa questão ao definir o humor recreativo racial, que associa características de pessoas negras e indígenas a aspectos negativos e/ou inferiores. No Brasil, Mussum foi um dos pioneiros do humor, ao atuar em Os Trapalhões. Já naquela época, as expressões de Mussum eram depreciadas, com ele sendo lido como um “bêbado vagabundo”. Nessa esteira, os próprios personagens e esquetes do grupo podem ser problematizados. Ou ainda, podemos lembrar de Vera Verão, que sofria uma dupla discriminação por ser uma dragqueen negra. O racismo também pode ser visto em diferentes letras de música, não raro recebidas pela população em tom de brincadeira – a música Fricote, de Luiz Caldas , foi hit dos anos 1980 e, hoje, é considerada um símbolo do racismo brasileiro. Ou seja, como bem pontua Moreira, “as referências simbólicas […] ao longo do tempo relacionam a negritude com algo negativo, como indício de uma moralidade inferior, como ausência de humanidade” (Moreira, 2019, p. 73).
Chagas traz em um artigo de 2021 as principais gerações de estudos de memes na internet. A primeira, conforme Knobel e Lankshear (2020, p.91) entende o meme de internet como “uma ideia particular apresentada como texto escrito, imagem, linguagem animada ou alguma outra unidade cultural". Em uma segunda geração, Davidson (2020, p.144), aponta que “ o meme de internet é uma peça ou conteúdo cultural, tipicamente uma piada, que ganha influência a partir de sua transmissão online. Por fim, para Shifman (2014, p.41), “O meme de internet é um grupo de itens digitais que compartilham características comuns em sua forma, conteúdo, e postura, que foram criados com ciência um do outro, e foram postos em circulação, imitados e/ou transformados através da internet por diferentes usuário”. Desse modo, ao circularem por diferentes plataformas digitais, os memes acionam subjetividades, comportamentos, significados, narrativas e visões de mundo. Dentre elas, questões concernentes à forma como os indivíduos enxergam a população negra. Dito isto, historicamente o humor, conforme aponta Moreira, esteve ancorado em visões racistas de descredibilização, idiotização, inferiorização, criminalização, dentre outros vieses negativos. Com isso, a circulação de memes na internet tem grande potencial para reproduzir comportamentos racistas. Nakamura (2014), aponta que, para além de um potencial, a internet, as plataformas e suas affordances incentivam que os sujeitos circulem, inconscientemente, imagens abjetas de raça e gênero. Os memes racistas de internet atualizam, portanto, aspectos que já existiam muito antes da popularização do ambiente digital: a perpetuação da ideia de que o branco é o ser normativo, enquanto o preto se constitui como inferior, como “o outro”. E vamos de um trechinho da brasileira Adeilma Machado dos Santos que resume bem a conversa até aqui: “O meme em questão funda-se numa reiteração discursiva. Ele une texto verbal e não verbal na composição de seus significados. A cada nova imagem associada ao texto verbal, que é sempre recorrente, há uma ressignificação discursiva, mas que todas apontam para a degradação moral do negro na cultura brasileira. Isso porque esses memes promovem a movimentação de discursos históricos, científicos, sociais que estereotipam a comunidade negra no imaginário brasileiro. (Santos, 2019, p. 07)
Primeiramente, cabe destacar que não estamos destacando os memes que possuem maior circulação e nem propondo qualquer tipo de análise profunda a partir de correntes semióticas, discursivas ou afins. Como destacamos no começo do texto, esse é apenas um esforço coletivo de reflexão conjunta. Para começar, observemos alguns verbetes do #MUSEUdeMEMES que trazem imagens, textos e vídeos meméticos que envolvem pessoas negras: Que tiro foi esse? de Jojo Todynho; Luane Conselheira; Glória Maria na Jamaica; Solange, a Gaga de Ilhéus; Missionária Vitória de Deus; e Eliminação da Karol Conká do BBB. No geral, observamos alguns padrões nessa pequena amostra. Dentre estes, percebemos que boa parte dos memes são sobre mulheres negras. Vamos destacar duas dessas mulheres que já falaram sobre a forma como racismo às impactam: Luane , a Luana Conselheira, que ganhou destaque por suas esquetes no Programa Esquenta, da Rede Globo, e posteriormente participou da Fazenda, na Rede Record, já declarou que tentou se suicidar por conta dos ataques racistas que sofreu na internet e já teve que acionar a justiça. Já a cantora Karol Conka foi alvo de diversos memes e ataques racistas durante a sua participação no programa Big Brother Brasil. A pesquisadora da Universidade do Texas, Daniela Gomes, afirma que essa visão negativa da cantora que se perpetuou nos memes se deve ao racismo. Os memes racistas, no entanto, não atingem, nem retratam apenas figuras públicas. A reprodução do racismo nos memes também se apropria de imagens de pessoas comuns em circulação na internet. A exemplo das figuras abaixo: na primeira imagem, há a ridicularização dos cabelos cacheados e crespos; na segunda foto, observamos que a mulher é tratada como feia por seus fenotipos negros; e em seguida observamos que a mulher negra é tratada como inferior às mulheres ucranianas brancas.
A reprodução do racismo em memes também impacta os homens. Um meme recorrente é o “Nego”, que associa, pejorativamente, a imagem de homens negros com a palavra em questão. Na primeira imagem, por exemplo, há um contraposição ao boneco negro e o personagem Ken, que é branco, tornando-o inferior; na segunda ilustração, a subserviência de homens negros é destacada por meio de uma imagem que remete ao período da escravidão; no último exemplo, o racismo é acionado mesmo sem nenhuma pessoa presente.
Sim, o ambiente digital é racista! Por permitir que circulem, por disponibilizar, por disseminar e, em alguns casos, por incentivar o compartilhamento de memes com discursos racistas – sejam estes relacionados a figuras públicas ou não. E, como bem diz Nakamura (2014), “precisamos de uma ética de imagem de mídia social que reconheça as condições de produção de memes e sua operação dentro de uma economia da atenção que inclui a abjeção racial tanto como produto quanto como processo”. Os memes também podem se constituir como um espaço de resistência para pessoas negras. Apesar de nos depararmos nas redes sociais com memes e humor que reproduzem o racismo, há também pessoas, movimentos e criações que buscam desmistificar a imagem de pessoas negras. Partindo da visão que o meme é a “apropriação de uma peça-matriz aplicada iteradamente a um determinado contexto”, nossa colega Natalia Dias, apontou, em um artigo do #MUSEUdeMEMES, que a hashtag #BlackLivesMatter se tornou um meme de ação coletiva e deu origem a um movimento social. A hashtag, de acordo com Dias, se constitui como um importante mecanismo de ativismo digital, que protegeu alguns manifestantes e reverberou pautas e agendas da luta antirracista. E ainda, podemos ver pessoas negras sendo reconhecidas por seus trabalhos e levando os seus memes para diferentes países. O brasileiro conhecido como Luva de Pedreiro e o italiano Khaby Lame são dois homens negros que viralizaram por meio de memes, confeccionando vídeos e imagens bem-humorados e que não reproduzem preconceitos raciais. Vamos terminar com eles e seus memes, então?!
Pra você que fica assim ao ver pessoas negras lutando e ganhando dinheiro com memes e não sendo estereotipadas
Só digo uma coisa:
Onde os memes de internet entram nessa história?
Já que estamos falando de memes, vamos vê-los! (Atenção gatilho para racismo!)
Mas, onde há opressão há resistência!